quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Raspa do Tacho

Em 2001 quis dar um presente de aniversário diferente para minha mãe,  publiquei um texto para ela. Hoje eu precisei "retocar", colocar alguns verbos no tempo passado. Ela não está mais aqui, já partiu e deixou muita saudade. Lá se foram cinco anos mas, nem parece, sua presença é forte. Acho que é isso que se chama viver de verdade, é morrer sem deixar de existir. Ela continua viva nos nossos corações, nas lições que deixou de vida e principalmente na nossa formação humana e espiritual, foi tanto amor  que conseguiu deixar uma boa  reserva para nos abastecer depois da partida. Divido com vocês a Raspa do Tacho:

Muitas vezes o prazer de assistir a mãe fazendo um doce se concretizava no final da tarefa  quando se pedia para raspar a vasilha. O tacho do doce onde fica aquele resíduo da guloseima, que parecia ser o mais saboroso pois estava ali, pronto para ser saboreado, quente e disforme mas ali, sem ter de esperar a hora da sobremesa ou do lanche marcado para o consumo da iguaria.  Quando se é criança, tem dessas coisas.  A alegria existe em pequenas ações.  Lembro-me quando mamãe contava suas artes infantis, a bacia que se transformava em barco e navegava num grande rio que, de grande não tinha nada, as articulações feitas com seu primo para implicar com a sua sobrinha da mesma idade.   Isso porque mamãe foi a última filha, a “temporão”, vovó ficou grávida junto com minha tia mais velha, então chegou aquela menina pequenina, mas muito esperta - era a “raspa do tacho” como vovó costumava chamar. 

   A alegria e bom humor permaneceram, aquela menina transformou-se em uma mulher, constitui sua própria família e logo na sua primeira experiência maternal teve de segurar a barra de um casal de gêmeos, tirou de letra, desesperava-se às vezes com a fome cronológica e resolvia amamentar como a natureza mandava – eu tenho dois seios e dois filhos, cada um mama em um ! – dizia ela com seu hábito de resolver as coisas de modo pitoresco e prático.

   Crescemos esbarrando em dificuldades e preconceitos que ela enquanto mulher sofreu, mas nada que o tempo não deixasse para trás.

   De vez em quando nossa relação de mãe e filha criava umas turbulências.  A figura feminina materna é um grande desafio para a  menina, por vezes ela dizia que nossos papéis estavam invertidos pois parecia ser eu a mãe e ela a filha, mas essa observação vinha com muito respeito e carinho.  Mal sabe ela em quantas ocasiões as suas palavras me socorreram e me tiraram de angústias, um apoio diferente.  Trazendo o lado leve da vida, a parte que ninguém liga, presta atenção, a piada contada de maneira dedicada, a graça e ironia tirada de uma situação complicada, o transparecer fraqueza quando no fundo se é  forte e vencedora.  Abrir mão sem ter que se arrepender, fazer e conservar amigos, transformar as “bobagens” em lições de sobrevivência.  Assim foi e, ainda estou crescendo, tentando trazer para a minha vida estas lições e repassa-las em busca das transformações tão idealizadas em nossos sonhos de criança, tive  a sorte e  o privilégio de saborear a “raspa do tacho”.



4 comentários:

  1. Mariza, te admiro muito. Você é meu espelho!Bjs!Érika Lins.

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    1. Obrigada pelo carinho, voce já é espelho e reflete sem luz pois tem a sua luz!

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  2. Lindo texto, Mariza! Linda homenagem você fez à sua mãe! Ele me trouxe recordações da minha infância e uma enorme saudade da minha mãe! Bjinhos!!!
    PS: Está sendo ótimo te seguir! rs

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    1. Obrigada, lembro quando levei o jornal e li ou melhor pedi para minha filha ler pois minha voz embargava a cada ponto ou vírgula. Ela gostou muito e sei que está feliz por eu estar publicando agora na rede.

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