Muitas vezes o prazer de assistir a mãe fazendo um doce se concretizava no final da tarefa quando se pedia para raspar a vasilha. O tacho do doce onde fica aquele resíduo da guloseima, que parecia ser o mais saboroso pois estava ali, pronto para ser saboreado, quente e disforme mas ali, sem ter de esperar a hora da sobremesa ou do lanche marcado para o consumo da iguaria. Quando se é criança, tem dessas coisas. A alegria existe em pequenas ações. Lembro-me quando mamãe contava suas artes infantis, a bacia que se transformava em barco e navegava num grande rio que, de grande não tinha nada, as articulações feitas com seu primo para implicar com a sua sobrinha da mesma idade. Isso porque mamãe foi a última filha, a “temporão”, vovó ficou grávida junto com minha tia mais velha, então chegou aquela menina pequenina, mas muito esperta - era a “raspa do tacho” como vovó costumava chamar.
A alegria e
bom humor permaneceram, aquela menina transformou-se em uma mulher, constitui
sua própria família e logo na sua primeira experiência maternal teve de segurar
a barra de um casal de gêmeos, tirou de letra, desesperava-se às vezes com a
fome cronológica e resolvia amamentar como a natureza mandava – eu tenho dois
seios e dois filhos, cada um mama em um ! – dizia ela com seu hábito de
resolver as coisas de modo pitoresco e prático.
Crescemos
esbarrando em dificuldades e preconceitos que ela enquanto mulher sofreu, mas
nada que o tempo não deixasse para trás.
De vez em
quando nossa relação de mãe e filha criava umas turbulências. A figura feminina materna é um grande desafio
para a menina, por vezes ela dizia que
nossos papéis estavam invertidos pois parecia ser eu a mãe e ela a filha, mas
essa observação vinha com muito respeito e carinho. Mal sabe ela em quantas ocasiões as suas
palavras me socorreram e me tiraram de angústias, um apoio diferente. Trazendo o lado leve da vida, a parte que
ninguém liga, presta atenção, a piada contada de maneira dedicada, a graça e
ironia tirada de uma situação complicada, o transparecer fraqueza quando no
fundo se é forte e vencedora. Abrir mão sem ter que se arrepender, fazer e
conservar amigos, transformar as “bobagens” em lições de sobrevivência. Assim foi e, ainda estou crescendo, tentando
trazer para a minha vida estas lições e repassa-las em busca das transformações
tão idealizadas em nossos sonhos de criança, tive a sorte e
o privilégio de saborear a “raspa do tacho”.
Mariza, te admiro muito. Você é meu espelho!Bjs!Érika Lins.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho, voce já é espelho e reflete sem luz pois tem a sua luz!
ExcluirLindo texto, Mariza! Linda homenagem você fez à sua mãe! Ele me trouxe recordações da minha infância e uma enorme saudade da minha mãe! Bjinhos!!!
ResponderExcluirPS: Está sendo ótimo te seguir! rs
Obrigada, lembro quando levei o jornal e li ou melhor pedi para minha filha ler pois minha voz embargava a cada ponto ou vírgula. Ela gostou muito e sei que está feliz por eu estar publicando agora na rede.
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